A dificuldade de estar em um mundo cheio de
fronteiras, regras e compartimentos pode ter sido o motivo que levou Jean
Cocteau a expressar a sua dificuldade de ter um só corpo, sendo múltiplo. E
esse corpo diversas vezes autorretratado, por meio do desenho, da escrita ou
do cinema, não teria sido o corpo escolhido, embora tivesse mãos prodigiosas.
Coube, então, a essas mãos certo toque de Midas: transformar tudo não em
ouro, mas em arte – uma conversa, a frivolidade, o riso, um sonho, a
juventude, a beleza, a amizade, os costumes, a responsabilidade, o trabalho,
a leitura, casas assombradas, a infância, a dor, a morte…
A dificuldade de ser Jean Cocteau foi, também,
fruto de uma armadilha construída pelas lendas que o envolveram. Cocteau foi,
ao mesmo tempo, o mais célebre e o mais desconhecido dos poetas, e disso se
queixava. Mas o seu ser já não era exato, era um mundo em si, físico e
abstrato. Um mundo onde não havia distinção entre a obra e a vida, entre a
ficção e a realidade. Então, eis um livro-testamento, como em outro momento
houve um filme; um autorretrato literário que segue a tradição pictórica do
espelho revelando o artista, os seus instrumentos e o seu método, enfim, o
seu ato de criação.
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