Por Maurício Meireles em O Globo
RIO - O diabo na casa, no meio da escrivaninha. O Cão, o Sete Peles, o Cramulhão, o Pé de Bode, o Coisa Ruim, o Capiroto — pausa para respirar, porque são muitos os nomes do Tinhoso — quis que o artista plástico e cineasta Eloar Guazzelli caísse em tentação. A tentação era, diante da devoção a “Grande sertão: veredas”, não conseguir cortar o texto do romance para que ele coubesse na adaptação em quadrinhos do clássico de Guimarães Rosa. Guazzelli precisou pegar o Capeta pelos chifres.
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— É um inferno. A narrativa de um roteiro é baseada no gesto brutal do corte. Fui tentado pelo demo a não cortar, mas me orgulho de ter feito essa travessia — ri Guazzelli. — Quando a gente se refere a cortar um texto como “Grande sertão: veredas”, a coisa fica mais difícil.
O pecado capital, diz ele, seria não alcançar a fidelidade à obra de Rosa. Mas a linguagem dos quadrinhos é diferente. Por isso, Guazelli, que fez roteiro e storyboard da adaptação, precisou trabalhar sobre a história do jagunço Riobaldo, protagonista do livro.
Na obra original — famosa por sua prosa poética, de sintaxe inovadora —, a narrativa é pontuada por idas e vindas no tempo, além de pausas nas quais Riobaldo reflete sobre questões que lhe interessam: a existência ou não do diabo, a religião, o mal, a guerra, o amor, a vingança, entre outros. Na adaptação, porém, o leitor vai encontrar a cronologia em ordem. Por isso, a cena famosa, em que Riobaldo e Diadorim se conhecem, ainda crianças, está quase no começo do livro.
— “Grande sertão...” tem uma estrutura que lembra romances como “Dom Quixote”, com uma história dentro da história dentro da história... Li e reli várias vezes, foi um trabalho braçal grande. Mas quis manter o poeta Guimarães Rosa. Não à toa, a versão em quadrinhos usa o próprio texto do romance — diz Guazzelli, que já adaptou também obras como “O pagador de promessas”, “Escrava Isaura” e “O bem amado”.
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— Foi uma das coisas mais difíceis de desenhar, acho que fizemos seis versões. Tive cuidado para não ficar a cara da Bruna Lombardi — diz Rodrigo, em referência à atriz que interpretou Diadorim na versão televisiva do romance, em 1985.
Outro momento difícil de transformar em imagem é o suposto pacto que Riobaldo faz com o diabo. Afinal, o personagem conta sua história de vida a um interlocutor a fim de convencê-lo — e convencer a si mesmo — de que o demônio não existe. Assim, nem ele tem certeza se o pacto foi feito.
— Como no livro o pacto não é claro, tentei passar essa dúvida. Mostro Riobaldo na encruzilhada e o desenho vai ficando com um traço mais surrealista, como se fosse um estado de loucura — observa Rodrigo, que trabalhou na adaptação de “Os sertões”.
Perguntado se a ideia é criar um jeito de introduzir novos leitores à obra de Guimarães Rosa, Eloar Guazzelli diz não gostar dessa definição. A ideia, diz, não é reproduzir “Grande sertão: veredas”, mas representá-lo.
— Poderíamos usar 600 a mil páginas e não ficaria bom. O mapa não reproduz a terra, mas a representa — diz Guazzelli. — O livro é pontuado pela ideia de travessia, que tem muito a ver com o fazer artístico. O sertão é também a página em branco.
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