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Mania de Efeméride - Almanaque 1964

Editor da Companhia das Letras fala sobre o livro Almanaque 1964.

Por: Leandro Sarmatz - Blog da Companhia

Assim como no caso das listas, há algo de vertiginoso nas efemérides que escapa à compreensão imediata. É um fetiche, um vício, uma mania. Não é preciso recorrer a Freud (motivos óbvios) ou a autores como Benjamin, Sebald e Hornby, que trabalharam criativamente a partir elencos de coisas e datas, para ingressar nesse terreno vasto como um catálogo de manias. Tão obsedante quanto elencar os 10 mais (livros, discos, fracassos) é pescar uma data fechada — dez, vinte, cinquenta anos — e a partir daí reconstruir, com rigor ou imaginação, aquele tempo.

O que nos leva a uma conversa que tem cinquenta anos. Pois foi em março de 1964 que os militares enxotaram o presidente João Goulart e instauraram uma ditadura que só teria fim na metade da década de 1980. Período triste em todos os sentidos. Politicamente, culturalmente. Pois se o regime foi relativamente permissivo até 1968, quando ainda havia até ali uma certa liberalidade com a demonstração de insatisfações e criação artística (esses quatro anos até o AI-5 ainda deixaram escoar teatro de ponta, Tropicalismo, o cinema mais transgressivo), depois a pasmaceira sob o tacão verde-oliva fez o país mergulhar num vácuo cerebral e emocional que, ainda hoje, parece cobrar seu preço. Foram tempos tristes. De algum modo continuam em nós.

Voltando às efemérides. Foi numa conversa entre os editores que surgiu a ideia de publicarmos um livro que falasse desse período sombrio do país mas que também desse conta da efervescência do Brasil e do mundo há cinquenta anos. Tinha repressão, jogo sujo e caretice por todos os lados? Sim, mas também Nara Leão, Beatles, 007, Glauber, uma penca de gente criando nas artes, no pop, reinventando os costumes. Porém não queríamos outro ensaio historiográfico, por mais essencial que seja esse tipo de trabalho. O desejo mais ou menos geral era por um livro que, em tempos de informação acessível numa googlada, organizasse e reconstruísse — com rigor mas também leveza, atenção aos fatos principais e às miudezas — o movimentado ano meia-quatro. Então veio a imagem do almanaque, um desses volumes que retraçam determinado período, com dados à beça, fotos, curiosidades, pérolas.

Pronto: tínhamos a ideia do Almanaque 1964, que agora em março chega às livrarias. Escalamos Ana Maria Bahiana, uma das jornalistas mais experientes e versadas em cultura pop do Brasil. Ela fez um trabalho incrível. O projeto todo, aliás, de produção complicada e com diversas pessoas essenciais envolvidas (alô, Lucila, Ana Laura, Elisa, Alceu, Debs!), foi — com o perdão do possível sentimentalismo e do tom quase edificante — um aprendizado durante os últimos meses.

Efemérides, efemérides. Pois não foi em 1984, numa tarde de agosto, que nevou em Porto Alegre? Há trinta anos…


Leandro Sarmatz é editor da Companhia das Letras e no tempo livre está tentando — sem muito sucesso, diga-se — organizar sua biblioteca. Uma vez por mês ele escreve sobre livros que foram fundamentais para sua trajetória como leitor.

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