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Livro infantil que virou fenômeno na Feira de Bogotá chega ao Brasil

Publicado em O Globo

RIO – O livro é de 1993, mas só em julho deste ano virou um fenômeno de repercussão mundial. Durante a última edição da Feira do Livro de Bogotá, na Colômbia, uma das principais feiras de obras infantis do mundo, “Casa das estrelas”, do professor e poeta colombiano Javier Naranjo, ganhou destaque em vários jornais do mundo. O motivo era seu conteúdo engraçado, poético — e, às vezes, muito sombrio. Trata-se de um mergulho na mente das crianças. Naranjo pediu, ao longo de mais de dez anos, em um curso de criação literária para crianças de 3 a 12 anos, que seus alunos dessem definições para uma série de palavras: dinheiro, adulto, amor, medo e Igreja, entre outras. Agora, “Casa das estrelas” chega ao Brasil, lançado pela Foz Editora. Naranjo está no país e dá, amanhã, o mesmo curso para crianças do Complexo da Maré.

— A repercussão foi uma surpresa total, porque a primeira edição saiu em 1993, até com algumas reportagens na imprensa cultural colombiana. Não esperava que recebessem tão bem algo “velho” — disse Naranjo ao GLOBO, em entrevista por e-mail.

Definições sem rigor

O autor se lembra até hoje da primeira definição que chamou sua atenção. Ele e seus alunos de criação literária comemoravam o Dia da Criança quando um menino de 7 anos escreveu: “Uma criança é um amigo, que tem o cabelo curtinho, joga bola e pode ir ao circo”. Uma garota de 8 anos também definiu a palavra: “Para mim, a criança é algo que não é um cachorro, é um humano que todos temos que apreciar.” Naranjo diz que gargalhou e resolveu continuar.

— Não há rigor e disciplina (nessas definições), palavras tão caras a alguns escritores. E é por isso que, desconhecendo as regras da linguagem, as crianças são capazes, em seu abandono, de descobertas inesperadas, sintaxes enviesadas e construções loucas. São faíscas nas quais aflora a poesia, que é o encontro fortuito de duas palavras pela primeira vez — diz Naranjo.

De fato, vários dos “verbetes” são marcados pela poesia — que, segundo Eulália Vélez, de 12 anos, é a “expressão dos reprimidos”. O nome do livro, aliás, “Casa das estrelas”, é definição de uma garota de 9 anos para a palavra universo. Algumas mostram a ingenuidade infantil, como chuva, que, diz um garoto de 9 anos, “é Jesus fazendo xixi.” Outras definições poéticas surpreendem por sua profundidade: igreja, por exemplo, nas palavras de uma menina de 7 anos, é “onde as pessoas vão perdoar Deus.”

Para além do lirismo involuntário e do bom humor, as crianças dão definições sombrias e mórbidas para algumas palavras. Nelas aparece, por exemplo, o medo da morte. Medo, aliás, nas palavras de uma criança de 6 anos, “é quando minha mamãe dirige um carro e uns senhores que trabalham no encanamento não têm o que comer, e quebram o vidro do carro e matam ela e matam meu papai e vivo sozinho.”

— Mórbido, para nós adultos, implica algo doentio. E pode ser que seja a palavra exata, porque nas frases as crianças também mostram seus medos, dúvidas e dores imensas que carregam nas costas quando não os escutamos — diz Naranjo. — Costumamos pensar que as crianças não têm essa dimensão sombria, mas é doloroso constatar que ela existe.

O escritor lembra que a morte, para muitas crianças, parecia uma palavra proibida. Mas Naranjo defende que “é preciso ter a morte conselheira, para valorizar mais o milagre de existir”. Na opinião dele, muitas crianças veem a morte com essa tranquilidade, embora sintam medo tanto da morte natural como da causada pela violência (“Alguém pega uma menina e faz amor”, diz um garoto de 6 anos sobre a palavra).

Exército e narcotráfico

Os alunos de Naranjo eram da Antioquia, província colombiana marcada pelo conflito entre as forças armadas e o narcotráfico. Diante disso, polícia, para uma criança de 11 anos, “é o que quer que a paz termine”. Militar é um “ser consciente de que matam eles”; e mafioso “é uma pessoa com muito dinheiro, que não gosta de nada.”

Sombrios ou líricos, os verbetes são marcados pela poesia, por assim dizer, naïf.

— Elas têm um olhar mais poético (que os adultos), porque não se encheram de regras. São mestres de um olhar mais atento — diz o autor.

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